A ciência por trás de “DivertidaMente” – por Paul Ekman

07/09/2015 — 16 Comentários

Cinco anos atrás, o escritor e diretor Pete Docter da Pixar chegou até nós para falar sobre uma idéia: um filme que iria retratar como as emoções funcionam dentro da cabeça de uma pessoa e, ao mesmo tempo, como moldam sua vida no relacionamento com outras pessoas. Ele queria mostrar como tudo isso opera na mente de uma menina de 11 anos de idade, atravessando tempos difíceis em sua vida.

Como cientistas que estudaram emoção durante décadas, recebemos a notícia com um enorme prazer. Acabamos trabalhando como consultores científicos para o filme “DivertidaMente” (“Inside Out”), lançado recentemente.

Nossas conversas com Docter e sua equipe foram quase sempre sobre a ciência relacionada às questões centrais do filme: como as emoções governam o fluxo de consciência? Como as emoções colorem nossas memórias do passado? Como é a vida emocional de uma menina de 11 anos de idade? (Estudos demonstraram que a experiência de emoções positivas começa a cair vertiginosamente em frequência e em intensidade nessa idade.)

“DivertidaMente” fala sobre como cinco emoções – que são cinco personagens do filme: Raiva, Nojo, Medo, Tristeza e Alegria – lutam pelo controle da mente de uma menina de 11 anos chamada Riley, durante uma tumultuosa mudança de Minnesota para San Francisco. (Sugerimos inicialmente que o filme incluísse toda a gama de emoções estudadas na ciência até o momento, mas Docter rejeitou essa ideia pela simples razão de que a história poderia ter apenas cinco ou seis personagens).

A personalidade de Riley é definida principalmente pela Alegria, e isso está de acordo com o que sabemos cientificamente. Os estudos demonstraram que nossas identidades são definidas por emoções específicas, que determinam a forma como percebemos o mundo, como nos expressamos e as respostas que provocamos nos outros.

Mas a verdadeira estrela do filme é a Tristeza, já que “DivertidaMente” é um filme sobre a perda e sobre o que as pessoas ganham quando são guiadas pela tristeza. Riley perde amigos e perde o seu lar quando se muda de Minnesota. Para complicar um pouco mais, ela está entrando na pré-adolescência, o que implica a perda da própria infância.

Nós discordamos de alguns detalhes de como a Tristeza foi retratada em “DivertidaMente”. A Tristeza é representada como um empecilho, um personagem lento que precisa ser literalmente arrastado pela Alegria na mente de Riley. Na verdade, os estudos demonstraram que a tristeza está associada a intensos estímulos fisiológicos, que ativam o corpo para que possa responder à perda. E no filme, a Tristeza é desajeitada e chata. Mais frequentemente, na vida real, a tristeza de uma pessoa atrai outras pessoas para oferecerem conforto e ajuda.

Discordâncias à parte, a personagem Tristeza dramatiza com sucesso duas idéias centrais da ciência da emoção.

Primeiro, as emoções organizam – em vez de atrapalharem – o pensamento racional. Tradicionalmente, na história do pensamento ocidental, a visão predominante tem sido de que as emoções são inimigas da racionalidade e que perturbam as relações sociais cooperativas.

Mas a verdade é que as emoções guiam nossas percepções do mundo, nossas memórias do passado e até os nossos julgamentos morais de certo e errado, geralmente no sentido de produzirem respostas eficazes para as situações de cada momento. Para exemplificar, alguns estudos constataram que a raiva dirigida ao que é injusto pode produzir ações para que as injustiças sejam remediadas.

Vemos isso em “DivertidaMente”. A Tristeza assume gradualmente o controle dos processos de pensamento de Riley sobre as mudanças que ela está sofrendo. Isso é mais evidente quando a Tristeza acrescenta tons de azul às memórias de Riley de sua vida em Minnesota. Estudos científicos demonstraram que as nossas emoções atuais moldam o que nos lembramos do passado. Esta é uma função vital da Tristeza no filme: ela orienta Riley a reconhecer as mudanças que ela está atravessando e aquilo que ela perdeu, o que prepara o terreno para que ela desenvolva novas facetas de sua identidade.

Em segundo lugar, as emoções organizam ­– em vez de atrapalharem – as nossas vidas sociais. Estudos demonstraram, por exemplo, que as emoções estruturam (e não apenas colorem) as mais variadas interações sociais como a ligação entre pais e filhos, conflitos entre irmãos, flertes entre jovens e negociações entre rivais.

Estudos também demonstraram que é a raiva (mais do que um sentido de identidade política) que move a coletividade a protestar e reparar injustiças sociais. A investigação conduzida por um dos nossos pesquisadores revelou que as expressões de vergonha levam outras pessoas a perdoarem ações que violaram as normas sociais.

Esse insight também é dramatizado no filme. Pode ser que você esteja inclinado a pensar na Tristeza como um estado caracterizado pela inércia e pela passividade, desprovida de qualquer ação intencional. Mas em “DivertidaMente”, bem como na vida real, a tristeza leva as pessoas a se unirem em resposta à perda. Vemos isso pela primeira vez durante uma explosão de raiva na mesa de jantar que faz com que Riley corra pelas escadas e se atire na cama sozinha no escuro, deixando seu pai sem saber o que fazer.

E quase no final do filme, é a Tristeza que leva Riley a se reaproximar de seus pais, incluindo formas de toque e sons emocionais chamados de “explosões vocais” – que têm sido estudadas por um pesquisador da nossa equipe – que expressam o profundo deleite do reencontro.

“DivertidaMente” oferece uma nova abordagem para a tristeza. A proposta central é: abrace a tristeza, deixe-a se manifestar, envolva-se pacientemente com as lutas emocionais de um pré-adolescente. A tristeza irá deixar claro aquilo que foi perdido (a infância) e impulsionará a família em direção àquilo que se ganha: as bases de novas identidades, para as crianças e para os pais.

Tradução livre de Jeanne Pilli do original:

http://www.nytimes.com/2015/07/05/opinion/sunday/the-science-of-inside-out.html?_r=2

16 Respostas para A ciência por trás de “DivertidaMente” – por Paul Ekman

  1. 

    Não vejo a hora de assistir com meu filho!

  2. 
    Rosana Angelo Ribeiro 07/13/2015 às 08:27

    A tristeza faz parte do ser humano, assim como as outras emoções, o filme consegue transmitir isso que não podemos sermos felizes o tempo todo, às vezes precisamos da tristeza para retornar ao nosso estado de equilíbrio, visite nossa página, também escrevi sobre o filme.

  3. 
    Marta assunção 07/14/2015 às 00:36

    Assisti o filme Divertidamente e achei que faltou um personagem relevante: a Fé ou a Esperança. A alegria tem um trabalho sobrenatural para manter tudo em equilíbrio. Temos que ter sempre Fé ou Esperança que todos estarão unidos pela felicidade da Riley. Acrescentaria isso ao filme. São quatro elementos: raiva, nojo, medo e tristeza sendo maestrados pela alegria. Do meu ponto vista, para se ter o equilíbrio, temos que crer em algo melhor o tempo todo nos ajudando a trabalhar as perdas e assimilar os ganhos.

    • 
      Jeanne Pilli 07/14/2015 às 22:08

      Querida:
      Certamente o Dr Paul Ekman considera a fé e a esperança muito importante, porém não são emoções. Os personagens todos são emoções. 🙂
      Beijo

    • 

      Fe e esperança são SENTIMENTOS importantes. Porém o filme retrata EMOÇÕES básicas e sua importancia para o indivíduo. Embora pareçam a mesma coisa, sentimentos e emoções são diferentes.

  4. 

    muito bom.Parabéns!!!

  5. 

    Mas o filme apontou justamente
    Para isso: que a tristeza desempenha papel super importante na construção de nossa identidade. Ela foi tratada como desajeitada durante boa parte do filme, mas na conclusão dele não. Não entendi do que o redator do texto discordou 😀

    • 
      Jeanne Pilli 07/17/2015 às 12:39

      Oi Luciene!
      O que Paul Ekman diz no artigo é que ele discorda um pouco da caracterização da personagem durante a maior parte do filme, de que a tristeza é uma coisa chata, sem energia, que precisa ser arrastada pela alegria o tempo todo. Ele entende que a tristeza tem bastante energia, que pode nos estimular a sair de situações negativas e ainda atrai outras pessoas para nos ajudar.
      Estou certa de que ele gostou do desfecho do filme.
      🙂

      • 

        Creio q a intenção dos roteiristas, foi demonstrar que a tristeza não era compreendida, q estava sendo “ofuscada” pela alegria que não deixava ela participar das ações e só no final do filme, fez a Alegria perceber que “aquele momento” a tristeza deveria assumir o controle, por estar associada ao estado de espírito da Rillei naquele momento. Então, a Tristeza foi “caracterizada” daquela maneira, como forma de demonstrar uma “aprendizado” da real importância de cada emoção. Tanto que em determinado momento, qdo “alegria e tristeza” saem do comando, raiva, medo e nojo “perdem” o controle da situação, o que também creio que não seja algo real e comprovado nas pesquisas cientifícas. Mas, o filme é excelente. Parabéns aos autores.

  6. 

    O filme é extraordinário! Une teoria e imaginação, retrata de maneira fiel papel das emoções e dos nossos conflitos entre elas.

  7. 

    Fui assistir há algumas semanas. Fui completamente sem expectativa alguma, achando que me entreteria por algumas horas… Mas de cara meu queixo foi ao chão. Não, passou dele! Fiquei vidrado, nem piscava. Não acreditava que estava vendo aquela história, aquelas explicações tão bem encaixadas nos personagens… Impressionante, fantástico, sem igual, obra-prima, acho que vou vê-lo de novo… rsrsrs

  8. 

    Só senti falta da Coragem, no filme!

  9. 

    Ótimo texto. Colaborando: “Mas a verdadeira estrela do filme é a Tristeza, já que “DivertidaMente” é um filme sobre a perda e sobre o que as pessoas ganham quando são guiado (GUIADAS) pela tristeza”.
    Betty
    http://portuguessemmisterio.com.br/

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  1. Estado de exceção | Duas Fridas - julho 22, 2015

    […]  de sombras, uma vibe meio dark. Não é meu elemento, por assim dizer. Mas pouco depois vi “Divertidamente” e reconheci que a tristeza também tem seus […]

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